
Claro está que não existe ignorante indivíduo de raça humana nesta sala (este texto foi projectado para ser lido numa sala cheia, lamento a todos aqueles que se tenham sentido ofendidos por estarem a ler isto numa sala sozinhos, ou por nem estarem a ler numa sala sequer) que nunca tenha visto ou não saiba o que é um autocarro, mais especificamente aqueles da Carris, esses veículos magníficos em tons de amarelo (no caso do 54 aos dias de semana trata-se de um amarelo a atirar para o sujo). Autocarros esses que andam desalmadamente pelas ruas de Lisboa.
No entanto a maior parte das pessoas apenas vê o seu enganador aspecto exterior e mais superficial porque aliado a estas máquinas está todo um universo dos autocarros. Quem não está minimamente por dentro deste vasto universo não faz a mínima ideia do que lá se passa e garanto que não é bonito.
Este universo começa sobretudo nas paragens, onde se reúnem diversas pessoas impacientes que se não vêm o indicador de tempo que diz quanto tempo falta para o autocarro chegar começam a roer as unhas. O inovador indicador dos tempos que faltam para os autocarros chegarem é bem recente mas já dá muito que falar, muita polémica veio a trazer ao vasto universo dos autocarros:
- Faltam 5 minutos para o autocarro.
- O quê? Mas há pouco faltavam 4! Que incompetentes!
Claro que também dá para comparar com os demais autocarros:
- Para o meu autocarro faltam 7 minutos!
- Eheh para o meu faltam só 2!
E isto é o entretém enquanto não chegam os velozes autocarros. Relembro que mesmo sem os indicadores de tempo é possível ver quanto falta para os autocarros chegarem nos papéis das paragens, isto se os motoristas cumprirem os difíceis e exigentes horários.
Posteriormente, aquando da suave entrada no autocarro, apercebemo-nos de mais uma estrondosa vertente do universo dos carros para mais de 50 pessoas, a fila. Por fila entende-se conjunto de pessoas ao longo de uma linha recta, de um e do outro lado da paragem, pessoas sentadas nos bancos e os chicos espertos no meio em pé. Mas este belo estado de organização tende a ruir. O autocarro pára e as pessoas começam lentamente a dirigir-se para a porta, onde ocorre um aglomerado e no meio desse aglomerado pessoas passam à frente de outras. Os chicos espertos que estão na paragem, aqueles que em vez de irem para o fim da fila, ficam mesmo ali ao pé dos bancos para entrarem no autocarro à campeão, à frente de toda a gente. Ora existem certos individuos não gostam disto.
- Oiça, a senhora passou à frente! (normalmente são senhoras)
Silêncio. Adivinha-se porrada no autocarro. Já assisti a ameaças bastante agressivas e cenários de gritaria devido a isto.
- A senhora passou à frente, sabe muito bem que sim! Eu já estava na paragem quando a senhora chegou!
Após dizer isto 30 vezes, a outra senhora que passou à frente e que permaneceu calada perde a cabeça:
- Olhe que leva com a mala no focinho!
Bem! Que mudança tão brusca! Calma lá, sim, realmente a senhora tem razão, qual o mal de passar à frente de umas meras 4 ou 5 pessoas?Há muitos confortáveis lugares para todos no autocarro!
Normalmente as senhoras têm já uma idade para além dos 50, e até dos 60. Podem ser classificadas como velhinhas, idade avançada é um eufemismo meio parvo. Existem 4 categorias de velhinhas dos autocarros.
Velhinha categoria nº1: Entra no autocarro a muito custo e, sem hesitar senta-se nos lugares vermelhos (os lugares vermelhos são os lugares para os deficientes, grávidas e idosos)
Velhinha categoria nº2: Entra no autocarro, passa pelos lugares vermelhos fintando-os com estilo como o cristiano ronaldo num dia mau, fingindo que vai lá para trás, mas pensa melhor, volta para a frente e fica mesmo nos vermelhos.
Velhinha categoria nº3: Entra no autocarro, cumprimenta o motorista e evita sentar-se nos lugares vermelhos, tendo como preferido aquele lugar mais perto do motorista para poder falar com ele e para depois ter menos trabalho a sair pela frente. (É bom salientar que nos autocarros a porta de saída é atrás.)
Velhinha categoria nº4: Igual à categoria 3 mas não fala com o motorista e o seu lugar de eleição não é ao pé do motorista.
Dentro de todas estas categorias existem duas variantes, a velhinha que se lamenta constantemente e a que não se lamenta constantemente.
E aqui partimos para mais outro fantástico facto dos autocarros, as conversas de autocarro. Pois bem, as conversas de autocarro são geralmente sobre o tempo ou sobre familiares adoecidos ou sobre a sua própria desgraça.
- Parece que hoje vai chover.
- Pois, realmente disseram isso ontem no telejornal.
- Pois é, olhe, veja lá você que o meu Manel foi parar ao hospital e tem de ser operado.
- Ah sim, isso é terrível, eu também há pouco tempo caí lá em casa e tive de ir ao hospital.
Esta é uma típica conversa de autocarro. E qualquer boa conversa de autocarro começa precisamente nos misteriosos lugares vermelhos. Estes lugares são propícios ao ínicio de conversas, e isto porquê? Porque são dois voltados para a frente e dois voltados para trás, ficando as pessoas cara a cara. Inevitavelmente inicia-se uma conversa. Dá-me ideia de que os próprios designers do espaço do autocarro tinham isto em mente, a ideia de criar conversa, quebrando aqueles momentos aborrecidos nos autocarros em que está tudo calado e só se ouvem os auriculares de um jovem a fornecerem um som de amplitude suficiente para se poder ouvir por todo o autocarro.
Os lugares de autocarro também têm muito que se lhe diga, e há certas pessoas, idosas claro, que teimam com os lugares que estão voltados para trás, com as costas do banco para o motorista. Estes lugares parecem o inferno mas quando não há outros e aqueles são os únicos livres, não há hipótese. Existem 3 lugares desse tipo, 2 dos vermelhos e um dos standards, na frente do autocarro. Com os vermelhos ninguém refila (normalmente, porque já vi aí pessoas a refilar, não basta terem lugares reservados ainda refilam com eles, pobres e mal agradecidos) mas o outro parece que está infectado com um espécie de doença bastante grave, uma vez que é quase o último a ser ocupado, sem contar com aquelas pessoas que têm uma dor na gengiva do maxilar superior e que não conseguem andar até lá atrás. O que acontece neste lugar é algo de estranho, à frente dele existe outro, voltado para a frente, e quando este fica livre, a senhora velhinha que está no tal lugar estranho salta qual leoa que não come há 3 dias e senta-se em meio piscar de olho, parecendo que aquele lugar lhe sacia a fome.
Mas ao passo que a longa jornada no autocarro passa e as pessoas começam a atravessar aquele emaranhado de ferros e botõezinhos que dizem stop, chegam finalmente à porta de saída, prontas para... sair. Este momento também tem as suas pequenas curiosidades. Devem todos pensar que este é mais um momento normal, ... não, num autocarro nem sequer existem momentos normais. A saída deveria ocorrer da seguinte forma: depois da partida da paragem antes do destino pretendido, carregar no stop (que faz um som semelhante a uma campainha e até é divertido de carregar) , em seguinda levantar-se ou não, dependendo da posição em que nos encontramos, sentados ou em pé, dirigir-se à porta de saída, esperar que a porta abra e finalmente abandonar o gracioso veículo.
Nada disto acontece a algumas pessoas.
Primeiro: Em vez de se levantarem quando falta uma paragem para o destino, levantam-se quando faltam 3 ou 4. Nunca percebi o sentido disso, deve ser para terem tempo de sair, já que é um movimento um pouco complexo.
Segundo: Assim que se abre a porta, o primeiro que vai a sair grita “Só um momento!” para o motorista, para ele não fechar a porta. Eu diria que essa pessoa nunca correria o risco de ficar entalada na porta e não acredito que assim que o condutor abrisse a porta, a fechasse logo a seguir, só mesmo para entalar o primeiro que vai a sair.
Para além de todos estes factos, existe ainda outro um pouco raro. Andar uma paragem. Contudo, entre a paragem onde se entra e a paragem onde se sai, que é a imediatamente a seguir,... este espaço contém geralmente uma esquina. Explicação mais provável para este facto: Não conseguem dobrar a esquina. Vão com o balanço da recta e não conseguem curvar a 90º. Sim senhor até compreendo que seja um pouco difícil e cansativo mas o que ultrapassa tudo é que eu já vi seres humanos a fazer isto, andar uma paragem, e “arrotar” 1,30€.
Após isto tudo penso que já conhecem minimamente o universo dos autocarros, esse universo tão cheio de surpresas e mistérios.
Juro, isto está LINDO!! É exactamente o tipo de situações que ocorrem! fartei-me de rir especialmente nas partes finais! És um génio pah
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