terça-feira, 6 de setembro de 2011

Efectua uma rotação e profere...

Narrações orais são uma perdição. É uma bela frase para introduzir um tema que, em Portugal, está arruinado. O negócio das narrações orais está tão destruído que o país já está em crise. O atentado que se provoca ao contar uma estória através do acto de exalar palavras é tão grande que a maior parte das pessoas não suporta a chacina mental a que é exposta... Mentira, suportam, e suportam tanto que fazem o mesmo. Eu é que não suporto, já me ocorreu o suicídio, mas julguei que não iria afectar nada pois os restantes indivíduos se manteriam inalterados, e a minha intenção é não só poupar-me à chacina mental como erradicar o uso da expressão que causa o atrofio dos neurónios. E eu vou exemplificar:


‘Tava o manel a comer bolachas e vira-se e diz
.........................................................................................Faleci por instantes mas consegui. Isto é a causa, esta expressão mata milhares de pessoas na China por dia, porque eles vêm para cá e trazem os seus restaurantes e lojas e depois a telefonar aos familiares na China dizem isto e os chineses ficam logo a espumar da boca. Foi uma técnica dos governadores para controlarem a natalidade nos anos 80, metiam putos ao telefone, mas agora está ultrapassado e ninguém quer mais ter de sujeitar o seu aparelho auditivo a ouvir isto para o resto da sua vida.
Acabando com o drama, gostaria de pôr isto a limpo, porque a mim parece-me no mínimo idiota e nem quero imaginar a origem destas palavras, talvez tenha vindo de um indivíduo mal educado e sempre virado de costas, ou então um hiperactivo, ou então um indivíduo cujo estado clínico grave faz com que faça piruetas sem cessar, porém são só teorias.


Eu chego à conclusão que, aquando de uma narração oral, todos os personagens que querem falar têm de efectuar uma rotação em primeiro lugar e só depois é que podem prosseguir com o proferimento de palavras. É curioso. Contudo, a narração é pobre porque não clarifica o ângulo de rotação do indivíduo, ficamos ignorantes relativamente à hipótese de ser uma rotação de 90º, de 180º, de 720º, de 32º eventualmente. E até se compreende que haja, de facto a efectuação de uma rotação na primeira fala, porque posso apanhar um ouvinte desprevenido, virado de costas para mim, ou até de lado, ou até ligeiramente rodado para a esquerda. Portanto aí faz sentido, eu falo com a pessoa, e realmente ela vira-se e diz, qualquer ser bem-educado possui a bela tendência de visualizar e colocar-se de face a face com quem está a trocar um discurso. Isto nem seria tema para um texto se realmente isto acontecesse assim (se só se virasse uma vez). Todavia não é assim. Nos casos extremos (e cujos narradores deveriam ser internados) em TODAS AS FALAS existe a efectuação de rotações. Quer-me parecer que a narrativa está incompleta ou então todos os personagens têm problemas mentais graves a nível da resposta motora. Para começar a conversa, estão SEMPRE DE COSTAS, e depois viram-se para falar e mal acabam de falar dão as costas ao outro como se de um inimigo que lhe quisesse espetar um pionés no olho se tratasse. Isto partindo do princípio que as rotações são todas elas de 180º (e que os pionés são mais ou menos letais, caso contrário nem se daria ao trabalho de se proteger de um).


Se as rotações forem com outros ângulos a acefalia dos intervenientes é maior, e só digo isto porque se dissesse mais entraria depois em hipóteses bastante complexas que não há tempo nem papel que chegue para as enunciar. Um facto interessante é que ninguém refere que eles se voltam a virar depois de falar, contudo quando tornam a abrir a boca têm de se virar de novo. Confuso, especialmente para quem não se tenha virado de volta. No fundo estão permanentemente a dançar ballet enquanto conversam, fazendo rotações apenas quando proferem algo. Rotação de 180º, fala, cala-se, pára. Rotação de 180º (no mesmo sentido se quiser ser coerente, no sentido contrário se quiser dar estilo), fala, cala-se, pára. É uma possibilidade.


Mas partindo do princípio que o narrador é pobre e se esquece de incluir as outras rotações que nós subentendemos (a não ser que seja mesmo gente doente), é de constar também, que TODOS os que acabam de falar viram as costas e portanto no fundo só quem está a discursar na altura é que está de frente para o grupo de pessoas, que por sua vez estão todas de costas porque estão a ouvir apenas. E viram-se à vez porque nunca ninguém fala ao mesmo tempo nas narrações orais, é impossível simular um atropelamento na fala. É uma visão um pouco aterrorizadora.


A seguinte questão também se coloca: E se os que estão de costas, tiverem mesmo de estar de costas, por necessidade derivado de algo que estão a fazer? Por exemplo, um indivíduo estar a cozinhar, ou a amputar uma perna cuidadosamente com a perna em cima do balcão, ou está de castigo virado para a parede. Podem simplesmente falar para a frente porque hoje em dia as ondas já sofrem reflexão, não é como antigamente que quem tinha um torcicolo estava completamente deixado ao abandono se não rodasse o corpo todo para comunicar. Poupem estes senhores às rotações, senhores narradores orais. Pobre coitado do chef que tem de se concentrar na comida que está a preparar e que tem de falar ao mesmo tempo, se se vira o ovo estrelado fica mal estrelado e nem sequer dá para molhar uma batatinha na gema porque está rija ou rebentada. Pobre coitado do doente que está a amputar a perna sem a ajuda de um médico medieval e que tem de falar ao mesmo tempo, se se vira ainda amputa a perna errada. Pobre coitado do moço castigado que tem de falar ao mesmo tempo, se se vira o castigo é prolongado.
Enfim, mas noto que quando estes mesmos narradores orais, que não poupam sofrimentos, passam a ser narradores comuns da escrita, já ninguém efectua rotações de qualquer tipo, é fascinante o que o papel faz às pessoas, passam a ser muito mais bem educadas e a possuir muito menos deficiências.


Eu pessoalmente quase nunca efectuo rotações sistemáticas para falar mas peço-vos educadamente que parem de fazer isso porque por algum motivo deve ser prejudicial para a saúde, nem que seja para a saúde dos narradores orais do dia a dia.

2 comentários:

  1. Zé, anda lá pá..se queres chegar às 3 mil visualizações tens de publicar mais um texto xD

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