segunda-feira, 3 de abril de 2017

Meio do chão: um espaço geometricamente bem definido ou só estupidez?


Vou tocar num tema bastante sensível, que não é para todos, e faço desde já o aviso aos mais susceptíveis a esquemas visuais fortes, e até fortitos vá, para pararem de ler. Mas fanfarrão que é fanfarrão vai querer continuar porque se acha um tipo que aguenta com tudo e não possui medo algum. Excepto quando aquela aranha com patas de 5 cm aparece a meio da noite no quarto, aí o amedrontamento é absolutamente colossal e a sensibilidade vem ao de cima. Tirando isso, são capazes de manter aquele ar de fanfarrões insensíveis, que até colocam aqueles óculos de sol, mesmo de noite, só para ficarem revestidos daquele estilo característico de uma pessoa que possui óculos de sol.
Depois deste aviso, introduzo o tema que é, nem mais nem menos, outra expressão daquelas muito divertidas da língua portuguesa, de uma imprecisão grotesca e que todo o ser de ADN de bigode (é óbvio que o ADN português tem um bigode farfalhudo, e muito bem aparado) aplica sem pensar sequer no que está a ser dito. Exemplo:
 - Então, deixaste a roupa toda no meio do chão, João?! Toca a arrumar isso!
O fenómeno linguístico aqui presente é deveras interessante. Refiro-me à expressão “meio do chão”. É um conceito que até pode ser bastante concreto, mas o seu emprego geralmente é abandalhado. Ninguém se refere ao meio geométrico do chão.... ou será que sim? Imaginemos que o quarto do João tem a forma de um quadrado sem imperfeições e tem 3 metros de largura e 3 metros de comprimento. O meio do chão seria então no ponto de coordenadas (1,5; 1,5) em metros. Mas para isso a roupa no meio do chão teria de ser um ponto infinitesimal para caber neste meio do chão. Transportando isto para um problema mais real, podemos assumir, vá, que para que a roupa esteja no meio do chão, apenas o centro geométrico da roupa, ou gravítico, esteja assente neste meio do chão. Isto pressupõe que a mãe do João dispõe de uma visão espacial aterradora, capaz de detectar centros geométricos a uma velocidade alucinante, porque entre o momento de entrar no quarto e o momento de indignação causado pela percepção da roupa no chão vão talvez décimas de segundo, e se estiver numa fúria prévia talvez até centésimas. 
É fascinante como se consegue detectar um centro geométrico em tão pouco tempo. Deve ser algo que se adquire com o ser mãe. Até chega a valer a pena passar por horas de dor insuportáveis de trabalho de parto, tirando os restantes meses de chatice, só para expelir um puto que só sabe chorar e bolsar de um orifício entre as pernas.  Giro porque poupa trabalho árduo com réguas e fitas métricas.

Voltando um pouco atrás, não será só a mãe que terá de ter o trabalho de identificar que a roupa está, justamente, no meio do chão. Também o jovem prevaricador terá de ter esse cuidado. Geralmente quem deixa a roupa no chão, será por desleixo. Se mostrar alguma preocupação no local onde a vai deixar desarrumadamente no chão trata-se apenas de um caso de um jovem extremamente acintoso, que ao colocar a roupa moribunda nas coordenadas certas para que estejam no meio do chão, desperdiçaria mais tempo do que se a arrumasse no local devido. É uma espécie de javardice, mas bem executada. É javardo mas tem requinte, uma desarrumação extremamente arrumada a nível geométrico.

Mas aqui posso levantar outro ponto de relevo. O que é o chão? Posso de facto segmentá-lo por partes, nomeadamente em chão do quarto, chão da sala e outras divisões em espaços fechados, mas então e se me apetecer atirar roupa para a rua, será que ela fica no meio do chão? Numa Terra esférica, definir o meio na superfície é, digamos, impossível. Contudo, se pegarmos no planisfério clássico, o ponto médio, de 0º de latitude e 0º de longitude fica no Oceano Atlântico, a cerca de 300 km para oeste de São Tomé e Príncipe e 300 km a Sul do Gana. Portanto não sei se alguém algum dia, de facto, conseguiu deixar alguma coisa no meio do chão. Se tiverem boa força de braços em África até são capazes de conseguir, mas é um esforço hercúleo apenas para deixar algo propositadamente no meio do chão. E mais, com as correntes e a ondulação do oceano, é preciso ter sorte que o objecto/ser aterre precisamente no fundo do oceano no ponto do meio do chão.

Outra tese possível é a de que o meio do chão é o centro da Terra. Ai essas acreções  (que para os mais desatentos, são as agregações de partículas com a ajuda do efeito gravitacional,  formando os núcleos dos planetas) tão desarrumadas, deixam sempre aquelas ligas de níquel e ferro espalhadas pelo meio do chão da Terra. E se fosse só isso ainda era até uma bagunça ligeira, mas depois ainda lhes dão com enxofre forte e feio, que é um cheiro que não se pode. Quanto a deixar a roupa neste meio do chão, é capaz de queimar um pouco. E andar 6.371 km só para conseguir deixar a roupa no meio do chão é de uma dedicação considerável e maliciosa. Se bem que é a descer e todos os Santos ajudam, e até está uma temperatura agradável para nos abrigarmos do frio invernal. Cerca de 5.400 ºC ainda dão para fazer um chocolate quentinho e uma torradinha, portanto até nem é mal pensado.

Agora peço desculpa mas tenho de ir depositar itens no meio do chão.