Vou tocar num tema bastante sensível, que não
é para todos, e faço desde já o aviso aos mais susceptíveis a esquemas visuais
fortes, e até fortitos vá, para pararem de ler. Mas fanfarrão que é fanfarrão
vai querer continuar porque se acha um tipo que aguenta com tudo e não possui
medo algum. Excepto quando aquela aranha com patas de 5 cm aparece a meio da
noite no quarto, aí o amedrontamento é absolutamente colossal e a sensibilidade
vem ao de cima. Tirando isso, são capazes de manter aquele ar de fanfarrões
insensíveis, que até colocam aqueles óculos de sol, mesmo de noite, só para
ficarem revestidos daquele estilo característico de uma pessoa que possui
óculos de sol.
Depois deste aviso, introduzo o tema que é,
nem mais nem menos, outra expressão daquelas muito divertidas da língua
portuguesa, de uma imprecisão grotesca e que todo o ser de ADN de bigode (é
óbvio que o ADN português tem um bigode farfalhudo, e muito bem aparado) aplica
sem pensar sequer no que está a ser dito. Exemplo:
-
Então, deixaste a roupa toda no meio do chão, João?! Toca a arrumar isso!
O fenómeno linguístico aqui presente é deveras
interessante. Refiro-me à expressão “meio do chão”. É um conceito que até pode
ser bastante concreto, mas o seu emprego geralmente é abandalhado. Ninguém se
refere ao meio geométrico do chão.... ou será que sim? Imaginemos que o quarto do João tem a forma
de um quadrado sem imperfeições e tem 3 metros de largura e 3 metros de
comprimento. O meio do chão seria então no ponto de coordenadas (1,5; 1,5) em
metros. Mas para isso a roupa no meio do chão teria de ser um ponto
infinitesimal para caber neste meio do chão. Transportando isto para um
problema mais real, podemos assumir, vá, que para que a roupa esteja no meio do
chão, apenas o centro geométrico da roupa, ou gravítico, esteja assente neste
meio do chão. Isto pressupõe que a mãe do João dispõe de uma visão espacial
aterradora, capaz de detectar centros geométricos a uma velocidade alucinante,
porque entre o momento de entrar no quarto e o momento de indignação causado
pela percepção da roupa no chão vão talvez décimas de segundo, e se estiver
numa fúria prévia talvez até centésimas.
É fascinante como se consegue detectar
um centro geométrico em tão pouco tempo. Deve ser algo que se adquire com o ser
mãe. Até chega a valer a pena passar por horas de dor insuportáveis de trabalho
de parto, tirando os restantes meses de chatice, só para expelir um puto que só
sabe chorar e bolsar de um orifício entre as pernas. Giro porque poupa trabalho árduo com réguas e
fitas métricas.
Voltando um pouco atrás, não será só a mãe que
terá de ter o trabalho de identificar que a roupa está, justamente, no meio do
chão. Também o jovem prevaricador terá de ter esse cuidado. Geralmente quem
deixa a roupa no chão, será por desleixo. Se mostrar alguma preocupação no
local onde a vai deixar desarrumadamente no chão trata-se apenas de um caso de um
jovem extremamente acintoso, que ao colocar a roupa moribunda nas coordenadas
certas para que estejam no meio do chão, desperdiçaria mais tempo do que se a
arrumasse no local devido. É uma espécie de javardice, mas bem executada. É
javardo mas tem requinte, uma desarrumação extremamente arrumada a nível
geométrico.
Mas aqui posso levantar outro ponto de relevo.
O que é o chão? Posso de facto segmentá-lo por partes, nomeadamente em chão do
quarto, chão da sala e outras divisões em espaços fechados, mas então e se me
apetecer atirar roupa para a rua, será que ela fica no meio do chão? Numa Terra
esférica, definir o meio na superfície é, digamos, impossível. Contudo, se
pegarmos no planisfério clássico, o ponto médio, de 0º de latitude e 0º de
longitude fica no Oceano Atlântico, a cerca de 300 km para oeste de São Tomé e
Príncipe e 300 km a Sul do Gana. Portanto não sei se alguém algum dia, de
facto, conseguiu deixar alguma coisa no meio do chão. Se tiverem boa força de
braços em África até são capazes de conseguir, mas é um esforço hercúleo apenas
para deixar algo propositadamente no meio do chão. E mais, com as correntes e a
ondulação do oceano, é preciso ter sorte que o objecto/ser aterre precisamente
no fundo do oceano no ponto do meio do chão.
Outra tese possível é a de que o meio do chão
é o centro da Terra. Ai essas acreções (que
para os mais desatentos, são as agregações de partículas com a ajuda do efeito
gravitacional, formando os núcleos dos
planetas) tão desarrumadas, deixam sempre aquelas ligas de níquel e ferro
espalhadas pelo meio do chão da Terra. E se fosse só isso ainda era até uma
bagunça ligeira, mas depois ainda lhes dão com enxofre forte e feio, que é um
cheiro que não se pode. Quanto a deixar a roupa neste meio do chão, é capaz de
queimar um pouco. E andar 6.371 km só para conseguir deixar a roupa no meio do
chão é de uma dedicação considerável e maliciosa. Se bem que é a descer e todos
os Santos ajudam, e até está uma temperatura agradável para nos abrigarmos do
frio invernal. Cerca de 5.400 ºC ainda dão para fazer um chocolate quentinho e
uma torradinha, portanto até nem é mal pensado.
Agora peço desculpa mas tenho de ir depositar
itens no meio do chão.
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