quarta-feira, 9 de junho de 2010

De hoje a 8 dias?

Tenho quase a certeza que uma semana tem 7 dias. E que duas semanas possuem 14. Se eu fizesse um tão coerente inquérito sobre este oportuno tema, certamente a maioria concordaria comigo, excepto um recôndito homem das cavernas que nem sabe o que é um auto rádio nem um rissol. É que duvido no meu máximo expoente que alguém diga que uma semana não tem 7 dias, é claro como água límpida e intocada desde sempre.
Então porque existe aquela expressão tão entranhada no cérebro da maior parte das pessoas que mexe com o estranho conceito de semana? Falo do tão conhecido “de hoje a 8” e o famosíssimo de “hoje a 15”, que no fundo são a mesma coisa. Bem, eu ao início ainda pensava que se estavam a referir a uma semana e um dia. Mas isto foi só até ao dia em que me disseram que o meu tetra avô ia falecer dali a 8, e acabou por falecer uma semana depois.
Primeira questão que isto impõe: Se uma semana são 8 dias, então porque dizem que duas são 15? Supostamente são 16 porque 8+8=16. Começo a pensar que apenas se acrescenta um dia por diversão, só mesmo para mandar aquele estilo revestido de utilidade.
Segunda questão absolutamente pertinente: Porque não se diz antes “daqui a uma semana” ou “daqui a duas”. Além de se pouparem polémicas poupam-se letras também. E ao menos era mais coerente uma vez que se diz “daqui a um mês”. Num mês de 31 jornadas ninguém profere: “Olha, até daqui a 32 dias”. Nunca podemos deixar de dizer aquele dia extra para o estilo, relembro. Ou num ano não bissexto ninguém vocifera: “Olha, até daqui a 366 dias”. Chegando ao limite de dizer: “ Olha, até daqui a 1461 dias” (que é como quem diz 4 anos). Este último é parvo porque ninguém combina encontrar-se só dali a 4 longos anos, no mínimo dos mínimos 1, naqueles jantares de Natal e tal.
Claro que posso estar incorrecto e afinal uma semana tem mesmo 8 dias, 7 que eu sei que existem e 1 mistério. Quiçá esteja a perder esse dia mistério por semana. Aquele 8º dia a que se referem deve ser um dia que eu passo a dormir tranquilamente e em que ninguém me acorda nem faz barulho ou é um sono mesmo pesado. Resta apenas saber se é um dia de semana que eu ando a perder ou se é um de fim-de-semana. Semana não deve ser porque senão já tinha chumbado por faltas... logo na pré. Fim-de-semana também não pode ser porque a maior parte dos jogos de futebol da liga são nesse período e são todos ou sábado ou domingo, e nunca sobra nenhum para esse dia mistério. Se não é de semana nem de fim-de-semana só pode ser de semi-semana, localizando-se ali entre sexta e sábado porque entre domingo e segunda é impossível visto que acordo com um sono bem nutrido pela manhã, e isso significa que dormi pouco e que não passei o dia mistério anterior todo a roncar. Se se localiza entre sexta e sábado deve possuir o nome de sêxbado ou de sábata.
Porém, este sábata também pode simplesmente não existir porque nunca ouvi falar deste dia da boca de qualquer sincero indivíduo, ou seja, mais ninguém tem conhecimento deste evento, logo passamos todos este dia a dormir ou a fazer algo que não nos lembremos de ter feito, e por isso é como se ele não existisse para ninguém, logo não existe. Muito bem, então os 8 dias continuam desprovidos de sentido.
Voltando ao frustrante início, talvez o uso desta expressão não passe de um vício incontrolável e irracional. Que incompreensível. Analisemos:
De hoje a 8 é quarta (seguindo o raciocínio, no mínimo, falacioso);
De hoje a 7 é terça;
De hoje a 6 é segunda;
De hoje a 5 é domingo
De hoje a 4 é sábado;
De hoje a 3 é sexta;
De hoje a 2 é quinta;
De hoje a 1 é hoje;
De hoje a 0 é ontem;
Julgo haver uma rara espécie de equívoco, um persistente algo que não bate certo. Se daqui a 0 é ontem, então este momento é ontem, porque 0 é o nada e alguma coisa mais zero é esse alguma coisa. Hoje mais zero é hoje. Brilhante, então de hoje a 1 não é hoje porque de hoje a 0 é que é. Penso que já mereço o grandioso “Nobel da descoberta de estupidezes através de raciocínios idiotas derivados de expressões idiotas”.
Eu sei que há muita gente a dizer apenas obviosidades e tem sucesso. Contudo, isto parece demasiada obviosidade para mover erradamente tantas pessoas. Talvez não esteja a olhar para aqueles 8 dias de um maneira tão profunda que lhes descubra o sentido na expressão. Porque podem não significar 24 horas x 8. Entra o devastador factor arredondamento. Este ambíguo período de 8 dias vai desde 7,45 até 8,44.
Mas o que interessa mesmo para o caso são estes 7,45 dias que é o valor mínimo. 0,45 dias são 10,8 horas, ou seja, este subvalorizado “de hoje a 8” só pode ser dito antes de uma certa hora do dia. Se afirmarem às 7 da manhã: “ de hoje a 8 dias é para entregar um trabalho sobre o Álvaro de Campos com uma lista de todas as interjeições que ele utiliza”, o prazo será dali a 1 semana e 10,8 horas, isto é, até às 17,8 horas. O limite de uso deste conjunto de palavras é às 13,199 horas (13 horas e 11,94 minutos) porque o prazo final é mesmo ali às 23,99. Passando isso, o prazo muda para o dia seguinte e aí é removido o sentido de semana. Portanto quem diga: “Ah é para daqui a 8 dias” depois das 13 horas e 11,94 minutos é uma falácia em pessoa a não ser que esteja mesmo a referir-se a uma semana e um dia.
Isto coloca-nos nova questão, porque se o prazo pode ir de 7,45 até 8,44 dias quando dizem de “hoje a 8”, então como saber qual o valor exacto desse intervalo? Não se sabe, por isso joga-se pelo seguro e tenta-se fazer para o mínimo tempo possível contrariando toda a nossa natureza portuguesa de deixar tudo para o fim. Mas para evitarem fazer contas e ver as horas então digam sempre de “hoje a 7” porque ao menos pode ir até 7,99 se considerarmos o arredondamento por defeito às unidades e abrange todo o dia dali a 7.
Depois de analisada esta expressão no seu íntimo eu espero que mude este país para melhor, começando por alterar um pequeno conjunto de pessoas e usufruindo do efeito dominó express para combater esta irracionalidade e falta de paragens para pensar nas coisas realmente importantes da nossa vida.

12 comentários:

  1. Antes de ver a resposta já tinha os arredondamentos 'na cabeça'. A explicação está muito boa. Deixou-me totalmente esclarecido.

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  2. Sei que este post é antigo, no entanto é uma questão que me intriga há bastante tempo. Até que enfim encontro alguem que entende. Nasci num país de lingua inglesa e sempre utilizei e aprendi a expressão "daqui a 7 dias", quando mudei para Portugal a expressão "daqui a 8 dias" causava-me alguma confusão mas toda gente asseverava que era mesmo assim e davam a entender que eu estava a insistir numa burrice.

    Acho que a expressão "daqui a 8 dias é peculiar à lingua portuguesa

    ...e o burro sou eu?

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  3. Muito bom, grande análise. Descobri este texto porque pensei exactamente no mesmo (em escrever sobre isso), mas os sacanas da Ciberduvidas da Lingua Portuguesa tiraram-me o apetite:

    http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=505

    - No entanto, ainda bem que alguém fez o que tinha de ser feito!

    Gosto muito mais da tua explicação

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  4. não tinhas mais nada para fazer, dass

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    1. Por acaso até me tinham convidado para ir de monociclo até à macedónia, mas realmente optei por escrever esse texto

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  5. Após uns anitos. Estava justamente a pesquisar sobre esta questão porque já me andava a coçar a parte traseira do cérebro há umas décadas.
    É uma daquelas coisas que quando era miúdo perguntei "porquê?", deram-me uma resposta tosca e nunca mais usei. Porque é assim que se matam as estupidezes. Se não sabes o que dizes, estás calado. Simples, não é?

    Dito isto, esqueceste-te que os dias não têm exactamente 24h, daí termos o ano bissexto de 4 em 4 anos. Acho que devias mesmo reescrever isso :)

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    1. É verdade, os dias não têm 24h, mas, de qualquer forma, como isso não chega para compensar e justificar o uso de 8 dias para uma semana, não sinto a necessidade de escrever sobre um tema tão delicado.

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  6. De(sde) hoje inclui o dia. Se contar pelos dedos .. de 2ª a 2ª decorrem EFETIVAMENTE 8 dias.

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  7. Esta é uma tradição que nos foi tramandada pelos antigos romanos que tinham como hábito iniciar a contar os dias partindo pelo dia de hoje. Provavelmente tem a que ver com o facto que desconheciam o zero, mas esta é outra história...

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