quarta-feira, 9 de junho de 2010

Os autocarros são assaz interessantes






















Claro está que não existe ignorante indivíduo de raça humana nesta sala (este texto foi projectado para ser lido numa sala cheia, lamento a todos aqueles que se tenham sentido ofendidos por estarem a ler isto numa sala sozinhos, ou por nem estarem a ler numa sala sequer) que nunca tenha visto ou não saiba o que é um autocarro, mais especificamente aqueles da Carris, esses veículos magníficos em tons de amarelo (no caso do 54 aos dias de semana trata-se de um amarelo a atirar para o sujo). Autocarros esses que andam desalmadamente pelas ruas de Lisboa.
No entanto a maior parte das pessoas apenas vê o seu enganador aspecto exterior e mais superficial porque aliado a estas máquinas está todo um universo dos autocarros. Quem não está minimamente por dentro deste vasto universo não faz a mínima ideia do que lá se passa e garanto que não é bonito.
Este universo começa sobretudo nas paragens, onde se reúnem diversas pessoas impacientes que se não vêm o indicador de tempo que diz quanto tempo falta para o autocarro chegar começam a roer as unhas. O inovador indicador dos tempos que faltam para os autocarros chegarem é bem recente mas já dá muito que falar, muita polémica veio a trazer ao vasto universo dos autocarros:
- Faltam 5 minutos para o autocarro.
- O quê? Mas há pouco faltavam 4! Que incompetentes!
Claro que também dá para comparar com os demais autocarros:
- Para o meu autocarro faltam 7 minutos!
- Eheh para o meu faltam só 2!
E isto é o entretém enquanto não chegam os velozes autocarros. Relembro que mesmo sem os indicadores de tempo é possível ver quanto falta para os autocarros chegarem nos papéis das paragens, isto se os motoristas cumprirem os difíceis e exigentes horários.
Posteriormente, aquando da suave entrada no autocarro, apercebemo-nos de mais uma estrondosa vertente do universo dos carros para mais de 50 pessoas, a fila. Por fila entende-se conjunto de pessoas ao longo de uma linha recta, de um e do outro lado da paragem, pessoas sentadas nos bancos e os chicos espertos no meio em pé. Mas este belo estado de organização tende a ruir. O autocarro pára e as pessoas começam lentamente a dirigir-se para a porta, onde ocorre um aglomerado e no meio desse aglomerado pessoas passam à frente de outras. Os chicos espertos que estão na paragem, aqueles que em vez de irem para o fim da fila, ficam mesmo ali ao pé dos bancos para entrarem no autocarro à campeão, à frente de toda a gente. Ora existem certos individuos não gostam disto.
- Oiça, a senhora passou à frente! (normalmente são senhoras)
Silêncio. Adivinha-se porrada no autocarro. Já assisti a ameaças bastante agressivas e cenários de gritaria devido a isto.
- A senhora passou à frente, sabe muito bem que sim! Eu já estava na paragem quando a senhora chegou!
Após dizer isto 30 vezes, a outra senhora que passou à frente e que permaneceu calada perde a cabeça:
- Olhe que leva com a mala no focinho!
Bem! Que mudança tão brusca! Calma lá, sim, realmente a senhora tem razão, qual o mal de passar à frente de umas meras 4 ou 5 pessoas?Há muitos confortáveis lugares para todos no autocarro!
Normalmente as senhoras têm já uma idade para além dos 50, e até dos 60. Podem ser classificadas como velhinhas, idade avançada é um eufemismo meio parvo. Existem 4 categorias de velhinhas dos autocarros.
Velhinha categoria nº1: Entra no autocarro a muito custo e, sem hesitar senta-se nos lugares vermelhos (os lugares vermelhos são os lugares para os deficientes, grávidas e idosos)
Velhinha categoria nº2: Entra no autocarro, passa pelos lugares vermelhos fintando-os com estilo como o cristiano ronaldo num dia mau, fingindo que vai lá para trás, mas pensa melhor, volta para a frente e fica mesmo nos vermelhos.
Velhinha categoria nº3: Entra no autocarro, cumprimenta o motorista e evita sentar-se nos lugares vermelhos, tendo como preferido aquele lugar mais perto do motorista para poder falar com ele e para depois ter menos trabalho a sair pela frente. (É bom salientar que nos autocarros a porta de saída é atrás.)
Velhinha categoria nº4: Igual à categoria 3 mas não fala com o motorista e o seu lugar de eleição não é ao pé do motorista.
Dentro de todas estas categorias existem duas variantes, a velhinha que se lamenta constantemente e a que não se lamenta constantemente.
E aqui partimos para mais outro fantástico facto dos autocarros, as conversas de autocarro. Pois bem, as conversas de autocarro são geralmente sobre o tempo ou sobre familiares adoecidos ou sobre a sua própria desgraça.
- Parece que hoje vai chover.
- Pois, realmente disseram isso ontem no telejornal.
- Pois é, olhe, veja lá você que o meu Manel foi parar ao hospital e tem de ser operado.
- Ah sim, isso é terrível, eu também há pouco tempo caí lá em casa e tive de ir ao hospital.
Esta é uma típica conversa de autocarro. E qualquer boa conversa de autocarro começa precisamente nos misteriosos lugares vermelhos. Estes lugares são propícios ao ínicio de conversas, e isto porquê? Porque são dois voltados para a frente e dois voltados para trás, ficando as pessoas cara a cara. Inevitavelmente inicia-se uma conversa. Dá-me ideia de que os próprios designers do espaço do autocarro tinham isto em mente, a ideia de criar conversa, quebrando aqueles momentos aborrecidos nos autocarros em que está tudo calado e só se ouvem os auriculares de um jovem a fornecerem um som de amplitude suficiente para se poder ouvir por todo o autocarro.
Os lugares de autocarro também têm muito que se lhe diga, e há certas pessoas, idosas claro, que teimam com os lugares que estão voltados para trás, com as costas do banco para o motorista. Estes lugares parecem o inferno mas quando não há outros e aqueles são os únicos livres, não há hipótese. Existem 3 lugares desse tipo, 2 dos vermelhos e um dos standards, na frente do autocarro. Com os vermelhos ninguém refila (normalmente, porque já vi aí pessoas a refilar, não basta terem lugares reservados ainda refilam com eles, pobres e mal agradecidos) mas o outro parece que está infectado com um espécie de doença bastante grave, uma vez que é quase o último a ser ocupado, sem contar com aquelas pessoas que têm uma dor na gengiva do maxilar superior e que não conseguem andar até lá atrás. O que acontece neste lugar é algo de estranho, à frente dele existe outro, voltado para a frente, e quando este fica livre, a senhora velhinha que está no tal lugar estranho salta qual leoa que não come há 3 dias e senta-se em meio piscar de olho, parecendo que aquele lugar lhe sacia a fome.
Mas ao passo que a longa jornada no autocarro passa e as pessoas começam a atravessar aquele emaranhado de ferros e botõezinhos que dizem stop, chegam finalmente à porta de saída, prontas para... sair. Este momento também tem as suas pequenas curiosidades. Devem todos pensar que este é mais um momento normal, ... não, num autocarro nem sequer existem momentos normais. A saída deveria ocorrer da seguinte forma: depois da partida da paragem antes do destino pretendido, carregar no stop (que faz um som semelhante a uma campainha e até é divertido de carregar) , em seguinda levantar-se ou não, dependendo da posição em que nos encontramos, sentados ou em pé, dirigir-se à porta de saída, esperar que a porta abra e finalmente abandonar o gracioso veículo.
Nada disto acontece a algumas pessoas.
Primeiro: Em vez de se levantarem quando falta uma paragem para o destino, levantam-se quando faltam 3 ou 4. Nunca percebi o sentido disso, deve ser para terem tempo de sair, já que é um movimento um pouco complexo.
Segundo: Assim que se abre a porta, o primeiro que vai a sair grita “Só um momento!” para o motorista, para ele não fechar a porta. Eu diria que essa pessoa nunca correria o risco de ficar entalada na porta e não acredito que assim que o condutor abrisse a porta, a fechasse logo a seguir, só mesmo para entalar o primeiro que vai a sair.
Para além de todos estes factos, existe ainda outro um pouco raro. Andar uma paragem. Contudo, entre a paragem onde se entra e a paragem onde se sai, que é a imediatamente a seguir,... este espaço contém geralmente uma esquina. Explicação mais provável para este facto: Não conseguem dobrar a esquina. Vão com o balanço da recta e não conseguem curvar a 90º. Sim senhor até compreendo que seja um pouco difícil e cansativo mas o que ultrapassa tudo é que eu já vi seres humanos a fazer isto, andar uma paragem, e “arrotar” 1,30€.
Após isto tudo penso que já conhecem minimamente o universo dos autocarros, esse universo tão cheio de surpresas e mistérios.

1 comentário:

  1. Juro, isto está LINDO!! É exactamente o tipo de situações que ocorrem! fartei-me de rir especialmente nas partes finais! És um génio pah

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