terça-feira, 15 de junho de 2010

Fernando Pessoa

Bem, como amanhã é exame de português e tal, deixo aqui um texto que serve de orientação para o estudo dos heterónimos de Fernando Pessoa.
Desculpem só meter isto na véspera, aposto que se vissem antes teriam 20 no exame (se saísse só Fernando Pessoa claro), mas pode ficar para a 2ª fase.
É deveras extenso, eu sei, mas já me disseram que está giro...
- Eh, tamos de férias ó palhaço, já não queremos ouvir falar do Pessoa, aposto que tinha 0 no exame na mesma se lesse esse texto!!
Epá eu sei, não leiam então.




Fernando Pessoa acabara de acordar para mais um fantástico dia para a criação poética. Saiu da cama a uma hora bem madrugadora, preparou-se para sair e dirigiu-se ao sótão da casa. Passando os estreitos corredores, chegou a uma porta bastante mal-tratada, e do outro lado dela estava a origem do ruído constante que assola as manhãs daquela casa. Pessoa abriu-a. A porta agora aberta mostrava um quarto apertado onde 3 figuras se encontravam e que pelos vistos costumavam passar ali as noites. 3 camas, um baú e uma secretária cheia de papéis e peças de maquinaria conseguiam ainda caber naquele cubículo.
-Oh Álvaro deixa-me dormir, pára lá de fazer barulho! – refilava Ricardo Reis.
- Mas que perfeitas engrenagens. Eia rodas dentadas! Que motor soberbo! Hup lá! Hup-lá!- gritava Álvaro de Campos com entusiasmo, observando a máquina que tinha na sua frente.
- Mas essa máquina nem sequer faz hup lá! Porque é que estás sempre a dizer hup lá? – perguntou Alberto Caeiro num tom agressivo da sua confortável cama.
- Eia eia eia hup lá hup lê eia eia eia hooooooo zzzzzzzzzzzz pum lô eia eia! – vociferava qual louco com insónias.
Fernando Pessoa, calmo e sereno, vendo a confusão naquele pequeno quarto, cheio de peças espalhadas pelo chão, apenas disse:
- Vamos embora, despachem-se.
-Eles também vêem? – inquiriu Ricardo Reis apontando para o pequeno baú no canto do quarto de onde provinham alguns barulhos estranhos.
-Não, eles hoje ficam, esses aguentam bem sem comer nem beber, são resistentes.
Enquanto todos se preparavam para sair de casa, Fernando Pessoa dirigiu-se à porta de saída esperando pacientemente por eles. Por fim chegaram, Alberto Caeiro na frente como sempre. Estavam todos vestidos de igual, de trajes pretos e camisas brancas, chapéus pretos. Fernando Pessoa começou a afastar-se da casa e guiava-os através das ruas ainda um pouco desertas. Este continuava calmo, assim como Ricardo Reis. Alberto Caeiro sempre a olhar freneticamente para tudo em constante espanto e Álvaro de Campos olhando para algumas peças da máquina que trazia consigo.
A meio do percurso avistaram o primeiro ser naquela manhã. Ia de encontro a Fernando Pessoa, provavelmente para falar com ele. Era Alfredo Guisado.
- Então Pessoa, como vai? – dirigia-se efusivamente a Fernando Pessoa.
- Você hoje vai falar com Álvaro de Campos – respondeu, não correspondendo à alegria de Guisado, empurrando ligeiramente Álvaro na direcção de Alfredo.
Fernando Pessoa seguiu caminho com os outros dois em direcção ao café. Finalmente chegado ao local olhou imediatamente para a única figura presente nas mesas do estabelecimento.
- Piário! Tu por aqui? Como vai isso? – disse levantando a mão para cumprimentá-lo.
A figura ergueu-se da sua cadeira e cumprimentou-o.
- É verdade, passei hoje por aqui, já não vinha há muito tempo, e a ti também não te via há muito! Mas parece que os nossos tempos de infância na África do Sul foram ontem – respondeu alegremente recordando tempos passados.
- Pois é, passava o tempo todo a escrever cartas para ti, mas pensavam que eu era maluco porque julgavam que não escrevia para ninguém. Muitas vezes perguntavam-me: Para quem são essas cartas? E eu apontava para ti, mas tu eras danado, escondias-te sempre, e eu ficava a apontar para o vazio. Tomavam-me por um indivíduo com distúrbios mentais! Mas era um pouco despistado, em vez de te tratar por Piário tratava-te por “Chevalier De Pas”, e tu assinavas com esse nome, aquela parvoíce infantil invadia-nos.
- Belos tempos... então e olha lá, hoje só trazes dois contigo? Como é que tu lhes chamas? Ah os teus heterónimos, onde é que estão os outros? – fez a pergunta olhando para Alberto e Ricardo a pedirem os seus cafés.
- O Álvaro ficou a falar com o Guisado, sabes como é que o Guisado é, está sempre a dar conversa. Os outros ficaram lá no baú.
- Ah pronto, só para saber... queres tomar um café nesta mesa?
- Não pode ser, tenho de me reunir aqui com as minhas companhias, temos de tratar de um assunto, já falamos, até logo – despediu-se e dirigiu-se à mesa onde Ricardo Reis e Alberto Caeiro já se encontravam a beber café e onde tinha também o seu à espera.
Atravessou o enorme estabelecimento deserto de tecto alto e sentou-se ao pé deles começando a beber o café enquanto falava.
- Temos um problema, temos de ter um poema feito hoje – afirmava preocupado.
- Um poema já hoje? Para quê? – Ricardo Reis também parecia preocupado agora.
- Saíram umas páginas a mais no Orpheu e temos de completá-las.
- Não, hoje não me vai sair nada, ainda nem li nada de Epicuro nem de Horácio hoje – Ricardo Reis ainda mais preocupado parecia.
- Hoje não posso, tenho de guardar os meus rebanhos de pensamentos dos ataques dos lobos, conheces alguém que me possa emprestar um cão pastor ou assim? Bem, no outro dia um lobo deu-me uma forte dentada num pensamento que tive há uma semana, nunca mais me lembrei dele, acho que faleceu... hum... porque não pedimos um poema ao Álvaro, ele consegue fazer 2 páginas em 5 minutos – sugeriu Alberto Caeiro.
- Então vamos lá ter com ele – concordou Fernando Pessoa.
Ao terminarem os cafés saíram despedindo-se mais uma vez de Piário e dirigiram-se ao local onde Alfredo Guisado e Álvaro de Campos foram deixados a falar. Contudo, já só encontraram Guisado e nem sinal de Álvaro.
- Alfredo, então o Álvaro, para onde foi? – interrogou-o Fernando Pessoa.
- Depois de falar comigo foi para ali – informou indicando a rua à sua direita.
- Ok obrigado – agradeceu enquanto se retirava do local para não estender mais a conversa.
Ficou pensativamente a olhar para a rua indicada quando de repente suspeitou:
- Foi para a fábrica quase de certeza, para casa não foi. Alberto, tu foste com ele à fábrica da última vez, leva-nos até lá.
- O que estou a ver, é aquilo que nunca antes tinha visto, sou qual receém-nascido que tem o pasmo essencial quando olha para o tudo desconhecido – disse Alberto Caeiro olhando em volta com aquela cara típica do seu pasmo característico.
- É incrível, Alberto tu não és minimamente sustentável, já chega dessas crises sensacionistas. Qualquer dia faleces, depois admiras-te. É que não és minimamente sustentável mesmo – a frustração era vísivel através da expressão de Fernando Pessoa.
- Eu sei o caminho, eu também fui com o Álvaro à fábrica no outro dia.
Ricardo Reis guiou-os através daquela manhã fresca até às portas das instalações fabris. Estas estavam entreabertas, forte sinal do louco futurista. Entraram os três para o amplo espaço da fábrica desocupada, cheia de máquinas e andares. No ar, ecoava a voz possessa de Álvaro de Campos. Estava a correr qual maníaco atleta levando diversas ferramentas e peças consigo, atirando-as ao ar e explorando cada máquina da fábrica com o entusiasmo de uma criança. Fernando Pessoa estava impaciente apesar de ainda nem serem 9 da manhã, e foi em direcção de Álvaro para o buscar.
- Hup-lá Hup-lá Hup-lô bzzzzzz eia eia eia brocas, eia rodas dentadas, eia máquinas rotativas! Hup-lá Hup-lá hup láaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa! – gritava e fugia de Fernando Pessoa que via agora a aproximar-se.
No meio da correria intensa e atirando tudo o que tinha nas mãos ao ar, Álvaro de Campos efectuou mal as contas e brocas, rodas dentadas e máquinas rotativas caíram-lhe em cima, fazendo-o tombar de imediato. Havia terminado a euforia extrema.
- Futurista de um raio! – exclamou Fernando Pessoa quando finalmente chegou perto dele – Meu grande maníaco, precisamos de um poema para o Orpheu, levanta-te!
- Agora estou cansado, faz tu, não me apetece andar a escrever sobre as máquinas.
- Então faz sobre o teu estado decadente, cansado e abatido.
- Belo tema, poderá dar-me a inspiração necessária para fazer 2 páginas – afirmou enquanto se levantava.
Saíram da fábrica em direcção a casa porém, Ricardo Reis parecia relutante em ir:
- Vou ali aproveitar sossegadamente a vida para a beira do rio, o Alberto também vem comigo, preciso de não fazer nada tranquilamente acompanhado.
Enquanto Ricardo e Alberto mudavam o seu rumo, Fernando e Álvaro continuaram até casa e ainda a falar sobre a ideia de um poema de Álvaro para completar o Orpheu .
- Olha, sabes a quem é que podias dedicar o poema? Ao Piário. Vi-o no café quando estavas a falar com o Alfredo Guisado. Podias dedicar-lho, conhece-lo ainda melhor que eu, foram excelentes amigos – sugeriu Fernando Pessoa.
- O Piário? Ei que grandes amigos que fomos, passávamos a vida a montar máquinas e admirar a sua beleza, que grandes tempos...
- Podias meter no título: Ó Piário este é para ti! – interrompeu Fernando Pessoa.
- Não, isso é estúpido, é melhor meter só: Ó Piário.
- Ok mas faz esse poema como se não conhecesses o Alberto Caeiro, que ele anda um bocado parvo.
E passado pouco tempo de terem chegado à calma e ao trono de inspiração poética que era sua casa, Álvaro de Campos conseguiu mesmo fazer o tão famoso e belo poema do Opiário a tempo de preencher as folhas em branco do Orpheu.

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