Em certas alturas, a entrega das provas de avaliação escritas é um momento extremamente interessante e em que coexistem todo um leque de reacções dentro de uma sala de aula. É sempre um fenómeno imperdível, e, para quem vê de fora com toda a segurança do mundo, pode ser até um espectáculo a admirar, a par do futebol.
Neste momento tão rico e variado em situações e em emoções, existem diversas fases, tal e qual como quase todos os eventos no planeta. A entrada na sala ou fase preparatória, a recepção dos testes propriamente dita, a discussão de notas ou fase da revolta e, por fim, a recuperação da sanidade mental.
A primeira fase é a fase de entrada na sala e em que alguém pergunta ao professor:
- Stor, é hoje que vai entregar os testes?
- Sim.
- Poça, finalmente, já passaram duas semanas. É que me correu mesmo bem.
E grita um do canto:
- O quê?! Os testes?! Epá não, não quero receber isso pá, vou ter praí nega!
- Epá, deixa lá ó, a mim correu-me bué da bem, vou ter tipo um 20!
A pancadaria verbal toma princípio e os ânimos ficam logo com uma elevação extrema.
E após esta construtiva fase, podem ocorrer dois acontecimentos: ou o professor entrega os testes no final e dá a sua aula com relativa calma... ou entrega no início e atura um cagarim frenético que não tem fim.
Este segundo momento da recepção propriamente dita dos testes é uma fase um pouco injusta. Quem me dera chamar-me Abílio Abundâncio, porque se assim fosse, todo o drama da recepção desaparecia por completo. O suspense inquientante dos últimos números da turma é quase comparável a uma condenação à morte provocando uma dor tão lacinante que acabamos por falecer com um sofrimento de nível algo elevado.
Enquanto todos já estão a dizer as suas notas ao colega do lado, ou colocando a cabeça entre os braços, os últimos ainda estão agarrados ao peito com força tal que as marcas da mão lá permanecem até ao fim do dia.
Contudo, quando por fim, todos recebem, há sempre algo que é terrível neste evento. Possuir um 19,9. No fim da entrega as notas vêm obrigatoriamente à conversa (desconheço a razão deste facto, mas a verdade é que acontece sempre) e é aí que todos os 19,9 são revelados!
Que nota inglória esta! A pior nota possível e imaginária! Muito, mas muito pior, que um 12,2.
É que no confronto com os colegas de turma, ter um 12,2 é indiferente:
- Então, quanto tiveste?
- 12,2.
- Ah ok. Para a próxima tens de melhorar um pouco.
Agora, um temível 19,9 pode provocar reacções absolutamente assustadoras:
- Então, quanto tiveste?
- 19,9...
- O QUÊ?!!! EPÁ QUE AZAAAAAAAAAR!!!! EU NÃO QUERIA ESTAR NO TEU LUGAR!!! Onde é que perdeste o ponto que falta? Já viste? SE NÃO FOSSE ISSO TINHAS 20!!!!! TU SABES O QUE É TER UM 20?!!! EPÁ CLARO QUE NÃO PORQUE TIVESTE UM 19,9!!!
A palavra mais original para descrever esta sensação é mesmo a palavra nojo. É um nojo. É RE-PUG-NAN-TE. Por isso, não é de admirar que todos os alunos com esta frustrante nota se dirijam ao professor na esperança deste detectar mais algum erro e baixar a nota. Porque nada é pior que um 19,9. 19,8, 19,7, 19,6, 15,1, 12,5, 5,2 são todos exemplos de resultados a que um aluno reagiria muito melhor.
- Tive um 19,1!
- Oh meu Deus, que notão! Parabéns!
- Obrigado, obrigado, imagina lá se fosse um 19,9? Poça, atirava-me da ponte.
- Tive um 5,2!!
- Poça granda nega. Mas pensa positivo, ao menos não é um 19,9.
- Tens razão, imagina lá se fosse? Os meus pais matavam-me.
Agora, quem tem um 19,9 fica de rastos e como já disse, mais vale irem ao professor para este baixar a nota. Mas talvez se perguntem vocês: Epá é preciso ser atrasado, porque raio vai ao professor para ele lhe baixar a nota e não para subir?
4ª Lei de Newton: Um 19,9 nunca pode subir. Aquele ponto miserável perdido à custa de estupidezes que mais parecem pertencentes a um indivíduo com acefalia grave, nunca pode estar mal corrigido. Portanto, o aluno mesmo que trabalhe mais do que já trabalhava nunca vai ter melhor nota, porque o seu problema são os ataques de idiotice a meios das provas. É que não se trata de falta de inteligência, são mesmo coisas inúteis como não ter metido um P, ou não ter feito um círculo à volta de um ponto...
Quando muito, consulta um psicólogo para evitar os ataques que o fazem perder um ponto. E é ele que tira todo o prazer de folhear um teste premiado com nota máxima.
Folhear um 20 é como admirar um escultura perfeita. Folhear um 19,9 é como admirar uma escultura quase perfeita, que só não o é, porque o escultor parecia já estar meio enfrascado no final e falha um pequeno pormenor.
Um 20 é uma obra de arte, no fundo, e é por isso que merece ser pendurada na parece do quarto com uma moldura talhada a ouro. Um 19,9 é uma nota tão asquerosa que apetece mesmo deixar saliva em cima. Esta nota é a causa de não se poder observar alegremente, após vários anos, todos os 20’s espalhados pelas paredes da casa, alguns já em folhas tão amarelas e esburacadas que nem se vê a nota. Mas a memória não nos falha e podemos dizer com orgulho que aquilo é de facto, uma nota máxima.
E é por isso vamos à escola quando somos novos e frescos, e não quando somos idosos e experientes. Não é porque os jovens têm mais facilidade em aprender, nada disso, é porque têm melhor memória. Porque se lembram mais facilmente dos 20’s que tiveram. Se fôssemos para a escola já idosos, posteriormente, não nos lembraríamos porque é que tinhamos a casa cheia de quadros com folhas podres, e deitaríamos tudo para o lixo, incluindo as horas de esforço que levaram à glória do melhor objectivo que se pode ter em termos académicos.
Enfim, e com esta reflexão já analisei a 3ª fase da discussão de notas. Falta apenas a 4ª e última fase que é a recuperação da sanidade mental.
Isto passa muito pelo conforto de pensar que no próximo teste é que é, e que aí é que se vai subir a nota. Ou, no caso de ser o último teste, pensar que não é possível fazer mais nada e que ainda há outros objectos de avaliação e que as provas não são, afinal, assim tão importantes. No caso de um 19,9, esta fase não é possível de ser efectuada porque o choque é tremendo e permanece para o resto da vida, atormentando um indivíduo nos momentos mais inoportunos.
Pensem bem na possibilidade de terem um 19,9 enquanto estão a fazer o teste, e, se for preciso, percam ali uns 2 ou 3 pontos (porque nunca se tem a certeza de que se vai tirar um 20) mesmo de propósito para não apanharem a desilusão da vossa vida.
19.9?! Essa foi a nota com que acabei a cadeira de Anatomia. NAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAO!!
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