terça-feira, 8 de junho de 2010

Os programas sobre futebol são sempre extremamente interessantes
























Gosto do futebol. Esse sensacional desporto, aclamado na boca de uns, cuspido na boca de outros, é um dos mais famosos com uma popularidade tão extrema que ocupa muito tempo da televisão. Contudo, muita gente pensa que o futebol se limita ao jogo. Que ideia tão comum e análoga a outros desportos. Nem pensar nisso, o futebol não se limita ao jogo, há que falar sobre o jogo, antes e depois.
Primeiro há que fazer antevisões. Sem antevisões não existem grandes jogos. Nas vésperas de um Benfica-Porto qualquer canal que se preze tem de possuir um programa ou um excerto no telejornal dedicado à análise deste jogo que ainda não aconteceu. Ora, como ainda não há estatísticas do jogo porque ele ainda está em vias de ocorrer, tem de se recorrer às estatísticas de 1924 e afins, e às disponibilidades nos plantéis.
- Boa tarde, para o clássico da luz há 1 baixa de peso no FCP, Hulk foi suspenso por 10 anos por ter olhado nos olhos de um steward. Além de Hulk há ainda mais 2 baixas, Bruno alves e Cristian Rodriguez, que mandaram as suas habituais bolas de cuspo tão anormalmente grandes para o relvado de treino que tropeçaram nelas e partiram ambas as pernas. Para o lado do Benfica nada a registar, apesar de ter havido também grande tráfego de secreções de glândulas salivares os jogadores do Benfica têm um bom jogo de cintura que lhes permite evitar as auto-armadilhas.
Contudo, esta verificação de disponibilidades é banalidade a mais e é muito pobre em termos de utilidade. Daí ter de se ir ligeiramente mais longe, só um inclinarzito à frente na ousadia do pré-jogo. A antevisão propriamente dita. Como o passatempo preferido dos jornalistas é efectuar estatísticas que também incluem o ano de 1924, estes tratam de apresentá-las nestas antevisões.
- Nos últimos 100 anos o Benfica só ganhou um jogo em que um médio lateral do Porto que jogava mais colado à linha coçou o olho esquerdo aos 35 minutos e 21 segundos na meia lua do meio campo na metade direita do campo inteiro para quem está a observar do banco de suplentes. E o Porto só ganhou 5 jogos no mesmo intervalo de tempo em que a claque lançou um petardo contra a cabeça do árbitro enquanto 30 membros desta arrancavam cadeiras ao pontapé.
Claro que além do prólogo dos jogos, faz ainda mais sentido haver uma análise pós-jogo. Apesar das análises feitas nos telejornais, existem também brilhantes programas apenas dedicados a isso, e posso enumerá-los:
O dia seguinte e O prolongamento à segunda feira, trio de ataque à terça, pontapé de saída à quinta, maisfutebol à sexta à noite e sábado de manhã antes do telejornal, zona mista ao sábado, tempo extra ao domingo.
Como espectador assíduo que sou de todos eles, tenho uma preferência de entre estes 7. O dia seguinte. Este fantástico programa de duas horas semanais que dá segunda-feira na sic notícias das 22 à meia noite parece, de facto, um programa bem sério, que não coloca um único sorriso na cara dos espectadores. Parece que os comentadores vão tratar o futebol e os jogos realizados com óbvio profissionalismo e objectividade. Julgando que isto é só mais um programa em que a palavra "comédia" não cabe nem com a ajuda de uma super máquina com 500 mil toneladas de força, na realidade não está nem perto disso. É galhofa garantida o programa inteiro, com especial destaque para a partir das 23h, que é quando fazem a análise aos lances. Realmente, se observarem o anúncio ao programa na própria sic notícias aperceber-se-ão de que começa da seguinte maneira: “Você é estúpido!”. Só aí obtêm um bom índice de galhofa e que é um bom prólogo do que se passa naquele estúdio segundas à noite.
Todos os 3 comentadores (representantes do Benfica, Sporting e Porto) têm sempre algo a dizer sobre qualquer assunto que envolva futebol, especialmente se for a favor do seu clube. E não se preocupem se forem daltónicos e não conseguirem distinguir as cores das suas gravatas que denunciam o seu clube pois este é facilmente identificável em qualquer lance que eles analisem, mesmo que seja um jogo entre o Fornos Algodres e o Almancilense.
- Vamos analisar o golo do Fornos Algodres ao minuto 37 – informa o jornalista.
O vídeo do golo passa.
- Ah este golo faz-me lembrar aquele belíssimo golo do Aimar que eu vi no estádio da luz - comenta o indíviduo de gravata vermelha.
Enfim, mas são eles que discutem os foras-de-jogo, as faltas, os lances duvidosos de alguns jogos da jornada que passou, sempre dentro de um padrão cómico que passa por um frente a frente entre os comentadores numa luta da selva para coroar o mais imparcial. Analisar faltas é a especialidade da falta de bom senso.
- O quê? Isto é falta? Você tá mas é maluco! – diz o comentador do Benfica enquanto Di Maria esmaga o crânio de Raul Meireles com os pitons.
-Você é cego ou quê? Não vê ali o piton a perfurar o ouvido esquerdo? Olhe. Olhe ali o sangue. Olhe – responde o comentador do Porto enquanto repetem as imagens vezes sem conta, em que se vê claramente o sangue a esgichar.
- Ah, eu não vejo nada. Você vê muito bem.
A troca de insultos parece não afectar o seu subjectivismo, e todos têm a sua oportunidade para o exibirem.
- Ah é falta! – comenta o do Porto aquando de uma queda aparatosa do jogador do seu clube.
- Mas ninguém lhe toca – o comentador do Sporting parece acordar a meio do programa.
A imagem aparece e vê-se claramente de todos os ângulos possíveis e imaginários que o jogador mais próximo está a uma distância, no mínimo, de 5 metros, e mesmo assim o jogador cai gemendo como se não houvesse amanhã.
- Claramente falta, olhe ali ele a gritar.
- Você tá a ouvi-lo gritar?
- Não, mas não vê ele ali a abrir a boca? Olhe ali a boca aberta.
- Ah mas isso não quer dizer que ele tá a gritar.
- Então é o quê? É ele a engolir ar?
Além da beleza do subjectivismo da análise das faltas também nos oferecem o mesmo subjectivismo nos foras de jogo.
- Olhe ali o fora de jogo!- grita o comentador do Porto num lance em que um jogador do Benfica parece estar mais adiantado em relação aos defesas.
-Qual fora de jogo? Ele está atrás da linha. Olhe ali a linha. – aponta para o televisor que releva uma imagem elucidativa com uma linha perfeitamente paralela à linha de fundo provando que não é fora de jogo.
- Mas essa linha está torta!
As discussões são bastantes úteis e contribuem bastante para estimular um pobre cérebro putrefacto. Mas é um excelente programa: além de poderem ver belos golos podem também ver todas as entradas duras e cacetadas que ocorrem em campo e aprender insultos novos com os comentadores.
Os restantes programas, ou são muito semelhantes a este dia seguinte, ou então são programas cujos comentadores utilizam expressões como técnico-táctico, circulo meio campista e em vez de dizerem que um lateral fez um passe para um médio centro dizem: o jogador mais limitado a nível de movimentações para o centro do campo e com funções predominantemente defensivas conseguiu arrastar marcações e criar espaços ganhando vantagem a nível de posicionamento táctico e efectuou a transição ofensiva de modo a promover um desiquilíbrio defensivo no adversário.
Portanto, da próxima vez que pensarem no futebol e num jogo de futebol lembrem-se também das 40 horas diárias que passam na televisão sobre isso e que são momentos extremamente interessantes de se observar.

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